A Lista de Schindler escolar
A proposta, teoricamente, é muito simpática: cada criança elabora uma lista com 4 amigos. Essa lista serve para ajudar os educadores a montar as novas turmas, garantindo pelo menos um ou dois amigos por criança nas novas classes para que ninguém mude de turma sozinho.
Tudo muito lindo, certo? Só que não. O que era para ser apenas um guia, acabou se transformando numa tortura infantil. Crueldade pura.
Conversei com uma educadora que já estudou o sociômetro. Ela defende que a ferramenta seja usada, desde que não se revele aos estudantes o objetivo: “Pessoal, vamos falar sobre a amizade...sobre a importância dos amigos na nossa vida...blá, blá, blá...agora vamos escrever o nome de amigos queridos....”. E assim, as crianças elaboram as listas com sinceridade, sem saber o real propósito da atividade.
Sacanagem com as crianças? Não. A educadora explica que um dos motivos de não se abrir o jogo é evitar que as crianças manipulem o resultado. Na escola do meu filho, por exemplo, abriram logo de cara: “vamos garantir pelo menos UM amigo na nova sala”. O que os alunos fizeram? Dividiram-se de quatro em quatro e escolheram-se entre si. A estratégia inteligente foi garantir que os quatro fiquem juntos no novo ano. A amizade importa? Sim. Mas o mais importante é o combinado entre eles. Sabemos que, nessa idade, a pressão do grupo é mais forte que a vontade individual.
Mas existem outras implicações: uma delas é que, nessa idade, amizades podem ser sazonais. O melhor amigo desse mês pode não ser o do mês seguinte. A amiga que eu morro se não estudar junto, em breve semanas pode virar a insuportável que nunca mais serei amiga na minha vida. Ao não levar este fato em consideração, corre-se o risco de tomar uma decisão baseada em um cenário momentâneo.
Mas, para mim, um aspecto ruim do "sociômetro módulo verdade absoluta" é o abuso moral. É um estresse que nenhuma criança precisaria passar. Ter que escolher quem vai e quem fica é forçá-los a excluir amigos. Que podem não ser os favoritos da vez, mas são “parças”, gente boa, que eles também gostariam de continuar estudando juntos.
Pior se pensarmos do ponto de vista dos não inclusos na lista. Se você já viveu a experiência de não ser escolhido para o time, multiplique por mil e imagine o que é não ser escolhido pelos amigos para fazer parte da turma do ano que vem. Conheço um garoto de 12 anos que amanheceu doente, depois de ficar sabendo que nenhum dos amigos que ele escolheu o haviam colocado na lista.
A coisa se torna ainda mais grave, quando sabemos que o sociômetro despenca sobre os alunos no final do ano. E a "revelação" da nova turma só será feita na volta às aulas. Caberá a nós, pais, lidarmos com a ansiedade, os zap zaps, os medos, e as incertezas durante todo o verão. Valeu, escola!
E quando pensamos em colégios menores, com duas ou três turmas por série usando o método, fico aina mais confusa. Me pergunto o que estes educadores fizeram o ano todo que não sabem quem é amigo de quem e quais alunos precisam ser separados. Precisa mesmo fazer as crianças passarem por isso? Se fossem sete, dez turmas, ainda vá lá. Talvez fosse necessário mesmo outra ferramenta além da observação. Mas com duas turmas, para que tanta invencionice?
Pior ainda se a escola é daquelas com proposta humanizada. Aderir a esse tipo de estratégia é abrir mão da colaboração e do companheirismo, que são valores que nos tornam mais humanos. É ensinar para as crianças que amigos são descartáveis. Que podemos eliminá-los quando alguém nos ordena. É ensinar a obediência e não a autonomia.
Se a escola optou por mesclar as turmas, que ao menos assuma a parte suja do negócio e tire das crianças o peso de excluir os colegas.
Encerro este texto pensando no menino com a garganta inflamada. Não sei se ajuda, amiguinho, mas o ar me faltou e minha garganta também inflamou pensando em você. Saiba que a culpa não é dos seus amigos. Somos nós, adultos, que com a melhor das intenções, complicamos tudo.
Se a escola optou por mesclar as turmas, que ao menos assuma a parte suja do negócio e tire das crianças o peso de excluir os colegas.
Encerro este texto pensando no menino com a garganta inflamada. Não sei se ajuda, amiguinho, mas o ar me faltou e minha garganta também inflamou pensando em você. Saiba que a culpa não é dos seus amigos. Somos nós, adultos, que com a melhor das intenções, complicamos tudo.
Nos desculpe.
Comentários
vejo maes na escola dos meus numa chacrinha tao desmedida que me dá nojo.
Fazer amigos não é fácil, escolher e ter que desfazer então...
Vi sofrimento antes ,durante e depois...quando as aulas começaram...ver a maioria das amigas em outra turma...o discurso da escola de ampliar o círculo de amizade..."mãe elas não conversam mais comigo"...
E a fala durante todo esse ano foi não vejo a hora de poder nos misturar de novo...voltar para lá... E quando chegou a hora desta cruel escolha...sem muitas opções... Afetos perdidos...
Se algumas amizades se manteram,foi por que nos mães criamos grupos, aniversários e encontros para unir uma amizade que começou no primeiro ano...
Porque dentro da escola mesmo....distância do diálogo!
Quanto às intenções dos profissionais da educação, veja que na última linha escrevi que elas são as melhores. Mas, mesmo com a boa intenção, uma criança adoeceu. Sinal claro de que algo precisa ser revisto.
http://escoladeredes.net/m/blogpost?id=2384710%3ABlogPost%3A149311
Abraços na torcida e na esperança que a criança já esteja recuperada fisicamente porque emocionalmente ela levará para sempre essa amargosa lembrança.
Grá
Em relação ao sociomêtro, depende da maneira como a escola/ professor faz. É outro, a criança pode não ter ficado na mesma turma do amigo, mas pode se encontrar no recreio ou saída.
Penso que os pais colocam muito pressão em seus filhos para que tenham muitos amigos, sejam os populares. Mães enlouquecidas em grupos de WhatsApp agendando mil programas. Vida social com amizades é importante, mas precisamos ensinar nossos filhos a se resolverem sozinhos. Eles precisam de tempo para brincar, ler, assistir TV, qualquer atividade que não dependa de alguém. Autonomia.